Racismo e eugenia no pensamento conservador brasileiro: a proposta de povo em Renato Kehl

Código: 9788594591258
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Weber Lopes Góes

226 páginas 
ISBN  978-85-9459-125-8

Ao contrário do Renascimento e do Iluminismo, manifestações típicas da ascensão cultural burguesa entre os séculos XV e XVIII, a sociologia como ciência positiva fundada mais tardiamente por Augusto Comte - e conceituada mais propriamente como a “concepção científica de mundo” pelos filósofos do Círculo de Viena, em 1929 - não demorou a estender suas influências sobre o Brasil. Uma das questões mais importantes desenvolvidas por Weber Lopes Goés ao longo de sua pesquisa refere-se à vanguarda intelectual exercida pelo médico e sanitarista Renato Kehl na introdução e aplicação das teorias eugenistas europeias – denominadas por ele mesmo como “religião da humanidade” -, aos problemas relacionados à saúde e educação nacional. As causas desse fenômeno talvez possam ser explicadas a partir de duas hipóteses distintas: de um lado, pelo distanciamento que a ciência contemporânea assumiu em relação aos (não menos questionáveis) ideais emancipatórios contidos no programa da modernidade; de outro, pelo desvelamento radical do pragmatismo enrustido no lema baconiano "saber é poder" na resolução dos conflitos sociais. É justamente devido a completa instrumentalização técnica do conhecimento (sinônimo da crise ou a decadência espiritual que se abate sobre a Europa em finais do novecento) que a ciência pode então se conformar, frise-se, imediatamente, às necessidades arcaicas da formação social brasileira ou, em outras palavras, aos interesses ideológicos de uma elite interessada não apenas em conservar a assim chamada "ordem e progresso", mas inclusive aperfeiçoar a prática do racismo estrutural (religioso e científico) vigente, diga-se de passagem, desde os tempos coloniais como um instrumento (político e econômico) de constante espoliação social. Neste sentido, o grande mérito do autor reside em desvendar (na mesma esteira em que, não por acaso, o vincula às críticas de Lima Barreto em Diário do Hospício e Cemitério dos Vivos – testemunhos literários daquela época), a onipotência conquistada pela ciência na sociedade brasileira desde o início do século XX aliado ao caráter ideologicamente retrógrado de sua burguesia. Um projeto societário que não se concretizaria sem a confluência teórica entre um irracionalismo de matriz cientificista e uma concepção prática de Estado eugênico, elaborado por um dos intelectuais mais prestigiados do país (o que parece corroborar a tese da “manipulação generalizada” desenvolvida por György Lukács em um dos capítulos de sua Ontologia). Enfim, estes são alguns dos motivos que tornam as crônicas deste livro uma peça fundamental não apenas para a compreensão de nossas vicissitudes históricas, mas também uma referência obrigatória para os estudos relativos ao pensamento conservador brasileiro.

André Trevisan

 

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